Madrasta do Texto Ruim
Do Objetivando Disponibilizar
por Madrasta do Texto Ruim
Amanhã este post completa um ano de publicado. Mas ele está atualíssimo, aliás, ele conseguiu a proeza de estar mais atual agora do que há um ano.
Eu aproveitei as manchetes de vários jornais mundo afora versus manchete do site da Veja para dar uma amostra do comportamento vil e asqueroso da imprensa nacional.
Como Dilma Vana tá voltando hoje a Nova Iorque pra abrir o boteco da ONU, republico-o.
(E querem apostar como a imagem que ilustra este post também vai ser atualizada? Valendo!)
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Eu venho desenvolvendo essa tese há algum tempo aqui nos meus miolos. Hoje acabei de vê-la desenhada. Então, já que tenho ilustração, vou discorrer sobre. Não sem antes agradecer à dileta amiga Lucianna Carvalho, por me dar o lindo passe que resultou nesse gol.
Para que todos entendam de linhas editorias deste ou daquele veículo jornalístico, vamos fazer um exerciciozinho técnico de “encontre a notícia”.
Para isso, vamos usar como exemplo uma passagem bíblica: Jesus caminha por sobre as águas do lago. Copio a citada aquihttp://www.bibliaon.com/joao_6/ (Jo 6, 16-24 ou Evangelho Segundo São João, capítulo 6, versículos 16 a 24):
16 Ao anoitecer seus discípulos desceram para o mar,
17 entraram num barco e começaram a travessia para Cafarnaum. Já estava escuro, e Jesus ainda não tinha ido até onde eles estavam.
18 Soprava um vento forte, e as águas estavam agitadas.
19 Depois de terem remado cerca de cinco ou seis quilômetros, viram Jesus aproximando-se do barco, andando sobre o mar, e ficaram aterrorizados.
20 Mas ele lhes disse: “Sou eu! Não tenham medo!”
21 Então resolveram recebê-lo no barco, e logo chegaram à praia para a qual se dirigiam.
22 No dia seguinte, a multidão que tinha ficado no outro lado do mar percebeu que apenas um barco estivera ali, e que Jesus não havia entrado nele com os seus discípulos, mas que eles tinham partido sozinhos.
23 Então alguns barcos de Tiberíades aproximaram-se do lugar onde o povo tinha comido o pão após o Senhor ter dado graças.
24 Quando a multidão percebeu que nem Jesus nem os discípulos estavam ali, entrou nos barcos e foi para Cafarnaum em busca de Jesus
Agora me ajudem. Vamos fazer de conta que:
– Jesus existiu (pra você que não acredita nele)
– Há fotos de Jesus caminhando por sobre as águas. Portanto, devemos todos partir do princípio de que esstrem aconteceu de fato – e você acredita nisso.
– A imprensa inteira noticiou o feito
– Jesus é do PT (calma, calma, calma! Deixa eu defender minha tese!)
Então, com essas premissas aí todas pacificadas, vamos analisar a coisa: qual é a notícia, o grande fato que transforma essa travessia de barco da história diferente de todas as outras? Ou, como gostam de dizer os editores (ô, raça!), qual o inusitado da história?
Acertou quem respondeu Jesus andou por sobre as águas do mar de Tiberíades (sim, o texto fala em mar. Mas dá um desconto. A Wikipedia –http://pt.wikipedia.org/wiki/Mar_da_Galileia – chama esstrem de Mar de Tiberíades ou Lago de Genesaré – além de ele ser também o mar da Galileia. Considerando o nível de confusão praquelas bandas, não saber se um monte d’água é mar ou lago é o menor dos problemas deles. E isso nem vem ao caso!)
Mas enfim. Deixamos Jesus andando por sobre as águas. Então, como deveria ser a manchete neutra, que traz a informação livre deste ou daquele viés político?
Jesus caminha por sobre as águas do mar de Tiberíades
É a notícia, ele fez isso mesmo (você me prometeu lá em cima que iria acreditar na história! Num estressa!) e lembrem-se: a manchete é uma frase única, de preferência com uma única oração, que traz uma unica ideia. Tem que ser uma linha sintética, simples, pá-pum.
Mas não é bem assim que a banda toca por estas bandas de cá, né? Vamos ver como os vários veículos de comunicação que pululam por este Brasil dariam a notícia.
Primeiro, aqueles que ficaram conhecidos como os blogprog. Há quem diga que esse povo recebe do governo pra fazer o que fazem. Eu duvido – não porque o governo não seja capaz de uma coisa dessas, mas porque eu me recuso a acreditar que o governo, qualquer que seja ele, consiga remunerar um troço tão mal feito! Porque, se eles tivessem que dar essa notícia, sairia marromeno assim:
Jesus Inácio Lula da Silva realiza feito histórico e caminha por sobre as águas do mar da Galileia
“Nunca antes na história deste país alguém ousou caminhar por sobre essas águas revoltas, mas nosso país está mudando”, Declarou Jesus Inácio
“Nunca antes na história deste país alguém ousou caminhar por sobre essas águas revoltas, mas nosso país está mudando”, Declarou Jesus Inácio
Vou evitar discorrer sobre o ridículo da frase acima pois creio que ele seja autoexplicativo. E eu não estou aqui para redundâncias. Então, vamos ver como a imensa maioria da imprensa brasileira daria a manchete:
Jesus caminha por sobre as águas, mas expõe apóstolos a possíveis afogamentos
Reparem na construção da frase acima. Observem que há duas orações coordenativas adversativas. Traduzindo pra quem não se lembra mais das aulas de sintaxe: são duas orações coordenadas, ou seja, duas orações que são independentes uma da outra – cada uma, sozinha, faz sentido, se basta. Mas elas se ligaram por coordenação. E essa ligação se deu com uma conjunção que imprime uma adversidade aos dois enunciados:
Jesus caminha por sobre as águas = legal, positivo, maneiro;
Jesus expõe os apóstolos a possíveis afogamentos = mau, negativo, feio, isso não se faz.
Jesus expõe os apóstolos a possíveis afogamentos = mau, negativo, feio, isso não se faz.
Daí que a regra básica da manchete (uma frase, uma ideia, uma oração) foi quebrada. Entraram em campo duas orações – a primeira positiva; a segunda (que vai permanecer mais tempo nazideia), negativa. Pode reparar que esse é o tipo de manchete usada por Folha, Globo e Estadão. <– observe o ponto, por favor. Citei apenas esses três, fazfavô!
Agora pensem na quantidade incomum de manchetes compostas de “vírgula-mas” (http://www.meionorte.com/noticias/geral/brasileiro-vive-mais-mas-em-condicoes-precarias-58595.html) que vocês leram nos últimos dez anos (http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/privatizacao/o-brasileiro-esta-vivendo-mais-e-isso-e-otimo-mas-e-a-previdencia-social/) – principalmente as referentes às melhorias de qualidade de vida dos brasileiros.)
Eu poderia (e pretendo) discorrer sobre esse tema com mais ponderações e orientações. O fato é que é possível analisar esse tipo de manchete tanto pelo lado negativo, como eu acabei de fazer, como pelo lado positivo: apesar de imprimir um viés editorial à notícia, que abandonou menina isenção e deixou Jesus Cristo meio antipático, a manchete informou o fato em si. quem leu esse título ficou sabendo que Jesus caminhou por sobre as águas – ponto. (mas o gostinho do fel ficou na boca.)
Mas a coisa pode ficar pior. O viés ideológico e a opinião rasteira, daquela que destrói todos os princípios do bom jornalismo, podem se fazer presentes de forma ainda mais grotesca. Imagine se, após o feito do trecho bíblico, alguns veículos estampassem em suas manchetes:
“Jesus não sabe nadar” ?
Antes de tachá-lo de ridículo, cabe avisar aqui que o título acima não satisfaz o pré-requisito de informar sobre o fato em si. (Pronto, agora podemos chamar de ridículo. Ou, ainda, de recalque. Mas essa análise recalque é muito 2013, quero deixá-la atemporal).
Ah, Bruxa, ninguém faz isso, não! Fica muito ridículo!
Pois eu digo que o grupo Cisneros, na Venezuela, fazia isso direto com o ex-presidente Hugo Chávez; o grupo Clarín faz isso direto com a presidenta Cristina Kirchner; e aqui no Brasil, que é useira e vezeira nesse tipo de construção é a Veja.
Querem ver?
Infográfico roubartilhado do Facebook do Laerte Gurgel
Vamos analisar o fato em si:
Dilma foi à ONU fazer o discurso de abertura da Sessão deste ano da entidade internacional. O trem que tá pegando: a espionagem escancarada dos Estados Unidos em cima do pré-sal e das comunicações do altíssimo escalão do governo federal.
O que que Dilma fez no discurso? Condenou o ato.
Como a imprensa internacional noticiou?
- The Guardian: [espionagem é] uma brecha ao Direito Internacional
- Le Monde: espionagem é afronta
- El País: Rousseff condena práticas de espionagem
- Veja: Dilma critica EUA
E eu paro por aqui. Não vou falar das fotos, não vou falar de 2014, não vou falar de mais nada.
Só peço que vocês reparem que a manchete da Veja é composta por duas orações coordenadas. Observem também que essas orações são ADITIVAS. Ou seja: uma é negativa, a outra também.
Em resumo: você assina Veja? Troque por Chico Bento. Leitura de altíssima qualidade, leve e estimulante. e, se bobear, tem mais informação que o hebdomadário abriliano.
(E este post foi incluído na categoria “PORRA, FOLHA!” por osmose.)
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