Globo: Uma história pela metade
Por Luciano Martins Costa, noObservatório da Imprensa:
Na terça-feira (21/4), por exemplo, Bonner personificou o mea-culpa da Globo por haver tentado ocultar, em 1984, o comício que marcou, em São Paulo, a campanha pelas eleições diretas para presidente da República. A reportagem sobre a manifestação foi aberta, na ocasião, por Marcos Hummel, então âncora do Jornal Nacional, com o seguinte texto: “Um dia de festa em São Paulo. A cidade comemora seus 430 anos com mais de 500 solenidades. A maior foi um comício na Praça da Sé”. Quem estava lá sabia que aquele era um protesto contra a ditadura, pelas eleições diretas, realizado sob ameaça das forças de segurança – e não uma festa de aniversário.
No dia seguinte, foi a vez de tratar da manipulação que ajudou a eleger Fernando Collor de Mello na disputa contra Lula da Silva, na eleição presidencial de 1989. Na ocasião, a Globo concedeu um minuto e meio a mais para Collor, com um texto tendencioso no qual escondeu os melhores argumentos de Lula no debate da noite anterior e exibiu seu oponente como um estadista. Na revisão histórica da semana passada, tudo não passou de um erro de edição, e um compungido Bonner lamentou a “falta de equilíbrio” daquela cobertura.
Mas, fora do quadro mágico da tela, a verdade é que a história da emissora está recheada de atos de má-fé e manipulações.
Embora se possa dizer que a mais poderosa rede brasileira de televisão se tornou um pouco mais sutil em sua interpretação da realidade nacional, não há como fugir ao fato de que segue produzindo diariamente exemplos de um jornalismo tendencioso que ancora o conteúdo claramente partidário dos outros grandes veículos de comunicação.
O socorro do BNDES
Como o bicheiro que precisa comprar um título de comendador quando chega a maturidade, a Globo tem necessidade de corrigir, eventualmente, sua trajetória, para que a mão da História lhe seja leve. No entanto, essa espécie de autocrítica conduzida em tom de convescote ao longo da semana não tem peso e seriedade suficientes para um registro nos arquivos do jornalismo, digamos, mais sério.
Essa função foi cumprida, na sexta-feira (24/4), em uma longa entrevista concedida ao jornal Valor Econômico (ver aqui) pelos principais acionistas do Grupo Globo, os irmãos Roberto Irineu, João Roberto e José Roberto Marinho, a uma dupla insuspeita de jornalistas, Matías Molina e Vera Brandimarte.
Além disso, o jornal que pertence ao Grupo Globo em parceria com o Grupo Folha também publica uma reportagem sobre bastidores da poderosa organização, com destaque para o processo de reestruturação financeira que evitou sua falência no começo deste século.
Matías Molina, veterano jornalista que ajudou a formar alguns dos melhores repórteres brasileiros de Economia nas últimas décadas, é autor do livro Os Melhores Jornais do Mundo e lançou recentemente o primeiro volume da trilogia História dos Jornais no Brasil. É com esse currículo que ele conduz a retrospectiva dos 50 anos da Globo no Valor.
Mas a leitura da entrevista decepciona em alguns aspectos: a história controvertida da maior potência da imprensa latino americana fica diluída em meio a uma conversa amena à qual faltou rigor crítico. As perguntas servem como alavancas para os irmãos Marinho amenizarem o papel decisivo da empresa em episódios polêmicos da história nacional.
Um de seus momentos mais importantes – o processo de recuperação financeira ocorrido entre 2002 e 2006 – passa quase em branco. Questionado sobre aquele período, quando a empresa teve que vender parte da rede, livrou-se do controle das operadoras Sky e Net e foi socorrida pelo BNDES, os entrevistadores se satisfazem com a resposta de Roberto Irineu Marinho, de que a situação foi resolvida “sem recursos do BNDES ou de bancos estatais”.
O socorro do BNDES ao Grupo Globo foi amplamente noticiado na época (ver aqui) e motivou até mesmo um pedido de audiência pública no Senado Federal (ver aqui) e até hoje segue sendo uma das chaves para se entender a relação entre a empresa e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em seus dois mandatos.
Quem sabe nos próximos 50 anos essa história seja contada.
Os 50 anos da TV Globo foram lembrados ao longo da semana que passou e celebrados no domingo (26/4), com uma festa para centenas de funcionários no Rio de Janeiro. As inserções de um quadro especial no Jornal Nacional, comandado pelo apresentador e editor William Bonner, serviram para apresentar em doses diárias um resumo da história da emissora, com destaque para alguns episódios controversos em que foi protagonista.
Na terça-feira (21/4), por exemplo, Bonner personificou o mea-culpa da Globo por haver tentado ocultar, em 1984, o comício que marcou, em São Paulo, a campanha pelas eleições diretas para presidente da República. A reportagem sobre a manifestação foi aberta, na ocasião, por Marcos Hummel, então âncora do Jornal Nacional, com o seguinte texto: “Um dia de festa em São Paulo. A cidade comemora seus 430 anos com mais de 500 solenidades. A maior foi um comício na Praça da Sé”. Quem estava lá sabia que aquele era um protesto contra a ditadura, pelas eleições diretas, realizado sob ameaça das forças de segurança – e não uma festa de aniversário.
No dia seguinte, foi a vez de tratar da manipulação que ajudou a eleger Fernando Collor de Mello na disputa contra Lula da Silva, na eleição presidencial de 1989. Na ocasião, a Globo concedeu um minuto e meio a mais para Collor, com um texto tendencioso no qual escondeu os melhores argumentos de Lula no debate da noite anterior e exibiu seu oponente como um estadista. Na revisão histórica da semana passada, tudo não passou de um erro de edição, e um compungido Bonner lamentou a “falta de equilíbrio” daquela cobertura.
Mas, fora do quadro mágico da tela, a verdade é que a história da emissora está recheada de atos de má-fé e manipulações.
Embora se possa dizer que a mais poderosa rede brasileira de televisão se tornou um pouco mais sutil em sua interpretação da realidade nacional, não há como fugir ao fato de que segue produzindo diariamente exemplos de um jornalismo tendencioso que ancora o conteúdo claramente partidário dos outros grandes veículos de comunicação.
O socorro do BNDES
Como o bicheiro que precisa comprar um título de comendador quando chega a maturidade, a Globo tem necessidade de corrigir, eventualmente, sua trajetória, para que a mão da História lhe seja leve. No entanto, essa espécie de autocrítica conduzida em tom de convescote ao longo da semana não tem peso e seriedade suficientes para um registro nos arquivos do jornalismo, digamos, mais sério.
Essa função foi cumprida, na sexta-feira (24/4), em uma longa entrevista concedida ao jornal Valor Econômico (ver aqui) pelos principais acionistas do Grupo Globo, os irmãos Roberto Irineu, João Roberto e José Roberto Marinho, a uma dupla insuspeita de jornalistas, Matías Molina e Vera Brandimarte.
Além disso, o jornal que pertence ao Grupo Globo em parceria com o Grupo Folha também publica uma reportagem sobre bastidores da poderosa organização, com destaque para o processo de reestruturação financeira que evitou sua falência no começo deste século.
Matías Molina, veterano jornalista que ajudou a formar alguns dos melhores repórteres brasileiros de Economia nas últimas décadas, é autor do livro Os Melhores Jornais do Mundo e lançou recentemente o primeiro volume da trilogia História dos Jornais no Brasil. É com esse currículo que ele conduz a retrospectiva dos 50 anos da Globo no Valor.
Mas a leitura da entrevista decepciona em alguns aspectos: a história controvertida da maior potência da imprensa latino americana fica diluída em meio a uma conversa amena à qual faltou rigor crítico. As perguntas servem como alavancas para os irmãos Marinho amenizarem o papel decisivo da empresa em episódios polêmicos da história nacional.
Um de seus momentos mais importantes – o processo de recuperação financeira ocorrido entre 2002 e 2006 – passa quase em branco. Questionado sobre aquele período, quando a empresa teve que vender parte da rede, livrou-se do controle das operadoras Sky e Net e foi socorrida pelo BNDES, os entrevistadores se satisfazem com a resposta de Roberto Irineu Marinho, de que a situação foi resolvida “sem recursos do BNDES ou de bancos estatais”.
O socorro do BNDES ao Grupo Globo foi amplamente noticiado na época (ver aqui) e motivou até mesmo um pedido de audiência pública no Senado Federal (ver aqui) e até hoje segue sendo uma das chaves para se entender a relação entre a empresa e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em seus dois mandatos.
Quem sabe nos próximos 50 anos essa história seja contada.
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