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terça-feira, 28 de abril de 2015

Uma pequena história da mídia brasileira, nos 50 anos da Globo


O avanço das telecomunicações, o desenvolvimento do micro ondas, abriram novas perspectivas para as redes de TV norte-americanas.
Em fins dos anos 50 elas começaram a planejar sua expansão internacional, de olho na América Latina.
Coube a Henry Luce, fundador e mentor do grupo Time-Life a grande revolução do período, que o tornou o norte-americano mais influente de sua época.
Antes da TV, Luce se consagrara com um conjunto de revistas campeãs, a Time (que se tornaria o modelo das revistas semanais de informação, espelho da futura Veja), a Life (copiada pela Manchete), a Fortune (de negócios) e a Sporteds Illustred, servindo de modelo para os novos grupos editoriais.
O lançamento da revista Time foi um divisor de águas na imprensa mundial, conferindo um novo status às revistas semanais, uma influência política sobre a opinião pública equiparável à dos grandes diários e inspirando similares em todos os países, muitos deles tendo a própria Time-Life como sócia.
O estilo Time consistia em organizar o universo (já abundante) das notícias diárias em uma periodicidade mais cômoda para o leitor – a semanal -, selecionando um universo restrito de temas, mas embalando-os de forma agradável, com um texto eminentemente opinativo que fosse compreendido pelo leitor mediano. 
Henry e Clare Luce
Para obter esse alcance, havia uma simplificação de tal ordem, especialmente em cima de temas complexos.
Para conferir credibilidade ao texto, o estilo contemplava uma largo descritivo, criando diálogos imaginários, mas verossímeis, descrevendo detalhes de ambientes, passando a ideia da “onipresença” e “onisciência”. Tipo: “Salvador Allende entrou sozinho no salão do Palácio La Moneda, olhou longamente a multidão pela janela, foi para um canto, tirou a espingarda, e, com o olhar grave, encaixou-a debaixo do queixo, aguardou alguns segundos e apertou o gatilho”
Luce também inovou no modelo de negócios, ao criar uma nova empresa, a Time-Life, que se valia da grande penetração das revistas para a venda de produtos de catálogo. Tinha o perfil dos donos de mídia criados pelo novo modelo, fundamentalmente comerciantes com visão de produto.
Quanto começou a era da televisão, promoveu uma transição bem sucedida para a nova mídia tornando-se o primeiro grupo a juntar todas as formas de comunicação em um mesmo conglomerado, batizado de Time-Life Broadcast Inc
Nos anos 50, junto com as redes NBC, CBS e ABC, a Time-Life saiu à caça de parceiros internacionais, preferencialmente latino-americanos.
Em outubro de 1964, em um seminário do Hudson Institute, um dos principais executivos da Time Life explicou a fórmula de expansão das redes norte-americanas:
1. Ter posição minoritária nos países da América Latina, devido  às  leis  dos  respectivos  países  sobre telecomunicações.
2. Ter  sócios  locais,  e  “eles têm provado ser dignos de confiança”.
3. A programação diurna da   TV  será  importante  para  o  êxito comercial e poderosamente eficaz e popular.
Ao mesmo tempo, propunha uma parceria com o governo norte-americano, “como um meio de atingir o povo do continente”. Um pouco antes, apontara sua mira para o Brasil.

O mercado de mídia no Brasil

Em 1928, quando o Brasil começou a se urbanizar e a lançar as bases de um mercado de consumo mais robusto, chegaram as primeiras agências de publicidade  internacionais, com a Ayer and Son representando a Ford. Logo depois, vieram a J.W.Thompson e a McCan Erickson ao mesmo tempo em que o modelo norte-americano de concessão de rádios começava a ser implantado no país.
O ecossistema dos grupos de comunicação com seus jornais, filmes e rádios começava a ensaiar a internacionalização, de mãos dados com as grandes multinacionais do país:
1.    A rede afiliada.
2.    As agências de notícias.
3.    As agências de publicidade, sendo o elo de ligação com os patrocinadores.
4.    O Departamento de Estado, conforme se verificou na Missão Rockefeller, na Segunda Guerra.
Nos anos 40, o esforço de guerra norte-americano incluiu decididamente a parceria com a indústria da comunicação. Jornais aliados ganhavam cotas de papel mas, principalmente, o conteúdo das agências puxado pelo fascínio de Hollywood.
No início dos anos 50, a imprensa brasileira de opinião resumia-se aos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, com sua rede de jornais regionais, o Estado de São Paulo da família Mesquita e, no Rio, um conjunto de diários, entre os quais O Globo, Jornal do Brasil, Correio da Manhã, Diário Carioca.
Entre as rádios, havia a Globo, Jornal do Brasil, Mayrink Veiga e a estatal Nacional no Rio; em São Paulo o sistema Record, da família Machado de Carvalho; e os Associados espalhando-se por diversas capitais
Inaugurada em 1950 pelo pioneiro Chateaubriand rapidamente a televisão avançou sobre o bolo publicitário. Naquele ano, o meio rádio detinha 24% dos investimentos em publicidade. Em 1960 sua participação caía para 14% enquanto o novíssimo meio televisão já dominava 9% do mercado publicitário, apesar do pais possuir apenas um milhão de aparelhos receptores contra 6 milhões de rádios.
Os Associados foram os primeiros a inaugurar um canal de televisão. Seguiram-se algumas tentativas individuais, dos Wallace Simonsen, com a TV Excelsior, os Machado de Carvalho, com a TV Record, as Organizações Victor Costa, com a TV Paulista, Casper Líbero com a TV Gazeta.
Direta ou indiretamente, Luce tornou-se o fator de desequilíbrio, principal inspirador dos dois grupos empresariais que acabariam modernizando e dominando a mídia brasileira nas décadas seguintes: as Organizações Globo e a Editora Abril.
Na época, Marinho havia sido procurado pela NBC (National Broadcasting Corporation) e pela Time-Life. A sócia escolhida foi a Time-Life devido à transição vitoriosa para a televisão.
O ponto de aproximação foi a diplomata Clare Booth Luce, que se tornou figura permanente nas manchetes lisonjeiras de O Globo. Clare era esposa de Henry Luce. Escritora de sucesso, foi a primeira mulher indicada para cargos relevantes na diplomacia norte-americana.
No período em que Clare foi embaixadora na Itália, houve o lançamento do Panorama, do Time-Life em sociedade com um grupo Mondatori.
A internacionalização do grupo dava-se em torno da bandeira do anticomunismo e de alianças com algumas das mais corruptas ditaduras do mundo – a mais ostensiva foi a parceria com o casal Chiang Kai-shek, o ditador da China pré-Mao, considerado na época o regime mais corrupto do planeta.
Nomeada embaixadora do Brasil, Clare não chegou a assumir devido a problemas nos EUA justamente devido a amizades chinsas. Mas serviu de ponte para a sociedade com Roberto Marinho, firmada em 1961. Já nos anos 50, o Globo recebera substancial apoio da American Tobacoo, que inclusive colocou seu diretor financeiro, Herbert Moses, na direção administrativa do jornal. Aliás, a mesma empresa que décadas antes valeu-se do poder da imprensa norte-americana para levar o governo norte-americana à guerra contra a Espanha pela posse de Cuba.
O grupo Time-Life injetou quantia considerável no Globo, algo em torno de US$ 5 milhões da época. Com esses recursos, mais uma série infindável de privilégios – como a importação de equipamentos sem pagamento de impostos e com um câmbio especial -, a Globo logrou contratar as melhores atrações dos concorrentes.
Além disso, representantes da Time passaram o know how da programação, da comercialização, as séries-novela que fidelizavam o público diariamente, o modelo dos grandes eventos.
A sociedade ganhou velocidade após 1964 e só foi interrompida em 1971, quando Marinho adquiriu a parte da Time-Life, com o sócio incomodado pela CPI e pelas restrições do governo brasileiro.
A compra final foi uma novela à parte.
Marinho tinha sido sócio do banqueiro Walter Moreira Salles e do jornalista Arnon de Mello no Parque Lage. Quando Carlos Lacerda elegeu-se governador do Rio, mandou desapropriar o parque. Os três sócios ingressaram na justiça.
Quando Chagas Freitas foi eleito governador do então estado da Guanabara, Marinho apressou-se em negociar com ele a reintegração do parque, mas não avisou seus sócios. Pelo contrário, adquiriu a parte de Moreira Salles por valor irrisório, alegando que tinha caixa sobrando e queria apostar no parque a longo prazo.
Moreira Salles sentiu-se enganado e partiu à forra. Marinho precisava de US$ 5 milhões para quitar o empréstimo dado pelo grupo Time-Life. Na véspera do prazo fatal, Walther foi aos Estados Unidos e tentouy adquirir as ações de Roberto Marinho caucionadas para a Time-Life
Mas Robert Marinho agiu rápido e conseguiu um empréstimo com José Luiz de Magalhães Lins, que dirigia o Banco Nacional de seu tio Magalhães Pinto. Quitou o empréstimo e consolidou o controle da Globo.
Na área das revistas, Luce foi essencial também para alavancar os irmãos Civita – dois ítalo-americanos que aportaram no Brasil e Argentina, respectivamente, sem capital e com a intenção de explorar o mercado de revistas.
Civita tinha sido empregado do grupo Time-Life e chegou ao Brasil sem dispor de maiores capitais, enquanto um irmão ficava na Argentina.

Em pouco tempo, a Editora Abril, do Brasil, e o Editorial Abril, da Argentina, lançaram 19 títulos de revistas. Na Argentina, seguindo a fórmula Time o carro-chefe tornou-se a revista Panorama – que ostentava na capa a parceria da Abril com a Time-Life. No Brasil, a revista Veja.
No final dos anos 60, com a doença de Assis Chateaubriand e a crise dos Associados, a Globo assumiu a liderança na TV aberta e a Abril a do mercado de revistas.
O mercado de opinião passou a ser dominado por ambos, mais alguns jornais tradicionais – como o Jornal do Brasil no Rio e o Estado de São Paulo. Nos anos 80, graças ao gênio de Otávio Frias, a Folha entrou nesse Olimpo, transformando-se no mais influente jornal brasileiro, mas longe dos modelos contemporâneos da Globo e da Abril.
O JB desaparece com problemas de má gestão. E a entrada do Brasil na era da Internet se dá com a mídia tradicional sendo liderada pelo grupos dos 4: Globo, Abril, Folha e Estadão. Nenhum deles chegando perto do poder da Globo.

Retrospectiva 50 anos tenta exorcizar fantasmas da Globo através do "tautismo"


Competentes jornalistas como Caco Barcelos e Ernesto Paglia colocados frente a frente numa mistura de “Roda Viva” da TV Cultura com o “Galeria dos Famosos” do Domingão do Faustão. E todos confrontados com suas imagens do passado (mais novos, mais magros e com mais cabelos) na expectativa de que depois a câmera em close arranque algum tipo de emoção dos experientes profissionais. A retrospectiva “Jornal Nacional – 50 Anos de Jornalismo”, projeto idealizado pelo apresentador William Bonner (ansioso e sempre meneando a cabeça na tentativa de exorcizar os fantasmas da história da TV Globo), mostra de forma didática em seus cinco episódios o que foi o início e o que será o fim da hegemonia da emissora: o modelo melodramático de jornalismo que ajudou a encobrir informações no auge da ditadura e o tautismo (tautologia + autismo) atual como manobra desesperada para sobreviver aos novos tempos de queda de audiência. 
Quando fazia a faculdade de jornalismo lá pelo início da década de 1980, minha geração via na TV Globo uma referência negativa para qualquer estudante que iniciava a carreira. Brincávamos com o tique melodramático dos repórteres que buscavam muito mais os sentimentos do entrevistado do que depoimentos objetivos da realidade. “O que você está sentindo?...”, era a pergunta clichê feita para a vítima de uma enchente no Sul do País naquele momento, com água até a cintura, dirigida por um repórter da Globo em uma canoa, protegido por uma capa de chuva e o rosto consternado.
Torres da Embratel: dinheiro
público para distribuir
sinal privado
Esse traquejo em destacar a emoção no lugar da objetividade certamente foi a resultante de uma emissora de TV que cresceu em meio e através da ditadura militar nos anos 1970: numa mídia visual que mantinha uma relação tão simbiótica com o regime militar (o Jornal Nacional cresceu na esteira da estatal Embratel com torres repetidoras espetadas por todo o País com dinheiro público para a transmissão de sinal privado), o viés sentimentalista e melodramático era a estratégia de ao mesmo tempo mostrar e sonegar informações.
Pois a série retrospectiva do Jornal Nacional, dentro das comemorações dos 50 anos da emissora, não perdeu esse traquejo ao expor brilhantes jornalistas como Caco Barcelos, Ernesto Paglia e Sandra Passarinho a um programa com o mesmo espírito do quadro “Galeria dos Famosos” do Domingão do Faustão: vemos em todos os episódios a insistente confrontação das imagens de época dos jornalistas (mais jovens, mais magros e com mais cabelos), para depois cortar e enquadrar em close o jornalista na atualidade, como que tentando arrancar algum olhar marejado de lágrimas ou uma expressão qualquer de emoção - para assistir à série retrospectiva do JN clique aqui.
Constrangimento e tautismo
O mote do projeto de William Bonner é mostrar a “emoção” e o “lado humano” dos profissionais que trazem as notícias para os telespectadores todas as noites. Mas tudo que conseguiu foi confirmar esse traquejo sentimentalista cultivado desde os tempos da ditadura e o tautismo (tautologia + autismo) atual da emissora – sobre esse conceito clique aqui.
O resultado foram olhares constrangidos, cabisbaixos e sorrisos amarelos dos experiente jornalistas globais a cada close. A exceção foi Caco Barcelos que, confrontado com a sua imagem de início de carreira e a apresentação com falsa intimidade de William Bonner (“Temos aqui Caco Barcelos, maaagrooo!), rebateu contextualizando sua foto: “e lá atrás uma manifestação, a periferia como sempre...”, fazendo contraponto à rasgação de seda metalinguística reinante.
Esse traquejo sentimentalista que anima o projeto idealizado por Bonner entra em contradição direta com a tentativa da emissora nas suas comemorações de 50 anos de tentar  descolar as suas origens da ditadura militar – afinal, a insistência em apresentar a emoção no lugar da informação foi a principal estratégia da TV Globo para censurar informações ao descontextualizar a própria notícia.
A insistência de Bonner em querer demonstrar que a TV Globo foi vítima da censura criou situações involuntariamente engraçadas, como no momento em que Glória Maria relatou que dentro das redações da emissora havia uma lista de temas proibidos de serem abordados. Ansioso (demonstrado pela insistência com que meneia a cabeça a cada fala), Bonner rapidamente interveio: “lista criada pelos censores...”, certamente temendo a ambiguidade do depoimento da jornalista, um verdadeiro ato falho que apenas revela a própria autocensura que Roberto Marinho impôs dentro do espírito de apoio à “revolução de 1964” – de resto, confirmado pelo editorial do próprio no Jornal O Globo na “comemoração” dos 20 anos da “revolução”: “Temos sido fiéis aos seus objetivos...”, escreveu Marinho - sobre isso clique aqui
Também é sintomático o breve depoimento gravado de Armando Nogueira (1927-2010). Responsável pela implantação do telejornalismo da emissora e diretor por 25 anos, Nogueira parece ter se queimado desde o depoimento dado no documentário inglês Brasil: Muito Além do Cidadão Kane nos anos 1990 onde detonou a manipulação no Jornal Nacional na edição do debate entre Collor e Lula em 1989.
Na retrospectiva, Bonner qualificou esse episódio como “erro” de um telejornalismo que ainda aprendia a “viver na democracia”. Mas, pelo que a série idealizada por ele demonstrou, a emissora ainda não aprendeu sua lição: o “espírito de 1964” ainda assombra um ex-estudante egresso da ECA/USP e que fez a sua sorte nos corredores da TV Globo.
A "revolução epistemológica" de William Bonner
Mas a série retrospectiva do Jornal Nacional também demonstrou o desespero tautista de uma emissora que vislumbra o seu próprio abismo: a chegada do Instituto de pesquisas alemão GfK que confrontará os números de sempre do Ibope e o crescimento das tecnologias de convergência (Internet e dispositivos móveis), ameaças reais a sua hegemonia. 
Por isso, a retrospectiva do JN não se dirigiu aos telespectadores que acompanharam o crescimento da emissora – esses já sabem de todos os seus pecados. Bonner se voltou aos jovens, numa tentativa de recriar uma história da emissora mais leve e sem culpas.
Nessa tentativa desesperada, Bonner criou uma verdadeira revolução epistemológica tautista: a Globo não foi testemunha ocular da História - ao contrário, a História só quis criar notícias para que a TV Globo as transmitisse! E tudo acompanhado pela música grandiloquente que abre e fecha os episódios da retrospectiva.
Por algum destino manifesto, a História supostamente sempre permitiu aos repórteres da Globo exclusividade e pioneirismo. As imagens exclusivas da Globo do Projeto Apollo da NASA, a deferência como o técnico da Itália Enzo Bearzot tratou em toda Copa de 1982 o repórter Ernesto Paglia, a amizade exclusiva de Galvão Bueno com Airton Senna, a forma como praticamente a emissora salvou a cidade do Rio de Janeiro nas enchentes de 1966, a emissora que virou notícia de si mesma com o sequestro de William Waack por forças de segurança de Saddam Hussein na Guerra do Golfo etc.

Globo: Uma história pela metade

Por Luciano Martins Costa, noObservatório da Imprensa:

Os 50 anos da TV Globo foram lembrados ao longo da semana que passou e celebrados no domingo (26/4), com uma festa para centenas de funcionários no Rio de Janeiro. As inserções de um quadro especial no Jornal Nacional, comandado pelo apresentador e editor William Bonner, serviram para apresentar em doses diárias um resumo da história da emissora, com destaque para alguns episódios controversos em que foi protagonista.

Na terça-feira (21/4), por exemplo, Bonner personificou o mea-culpa da Globo por haver tentado ocultar, em 1984, o comício que marcou, em São Paulo, a campanha pelas eleições diretas para presidente da República. A reportagem sobre a manifestação foi aberta, na ocasião, por Marcos Hummel, então âncora do Jornal Nacional, com o seguinte texto: “Um dia de festa em São Paulo. A cidade comemora seus 430 anos com mais de 500 solenidades. A maior foi um comício na Praça da Sé”. Quem estava lá sabia que aquele era um protesto contra a ditadura, pelas eleições diretas, realizado sob ameaça das forças de segurança – e não uma festa de aniversário.

No dia seguinte, foi a vez de tratar da manipulação que ajudou a eleger Fernando Collor de Mello na disputa contra Lula da Silva, na eleição presidencial de 1989. Na ocasião, a Globo concedeu um minuto e meio a mais para Collor, com um texto tendencioso no qual escondeu os melhores argumentos de Lula no debate da noite anterior e exibiu seu oponente como um estadista. Na revisão histórica da semana passada, tudo não passou de um erro de edição, e um compungido Bonner lamentou a “falta de equilíbrio” daquela cobertura.

Mas, fora do quadro mágico da tela, a verdade é que a história da emissora está recheada de atos de má-fé e manipulações.

Embora se possa dizer que a mais poderosa rede brasileira de televisão se tornou um pouco mais sutil em sua interpretação da realidade nacional, não há como fugir ao fato de que segue produzindo diariamente exemplos de um jornalismo tendencioso que ancora o conteúdo claramente partidário dos outros grandes veículos de comunicação.

O socorro do BNDES

Como o bicheiro que precisa comprar um título de comendador quando chega a maturidade, a Globo tem necessidade de corrigir, eventualmente, sua trajetória, para que a mão da História lhe seja leve. No entanto, essa espécie de autocrítica conduzida em tom de convescote ao longo da semana não tem peso e seriedade suficientes para um registro nos arquivos do jornalismo, digamos, mais sério.

Essa função foi cumprida, na sexta-feira (24/4), em uma longa entrevista concedida ao jornal Valor Econômico (ver aqui) pelos principais acionistas do Grupo Globo, os irmãos Roberto Irineu, João Roberto e José Roberto Marinho, a uma dupla insuspeita de jornalistas, Matías Molina e Vera Brandimarte.

Além disso, o jornal que pertence ao Grupo Globo em parceria com o Grupo Folha também publica uma reportagem sobre bastidores da poderosa organização, com destaque para o processo de reestruturação financeira que evitou sua falência no começo deste século.

Matías Molina, veterano jornalista que ajudou a formar alguns dos melhores repórteres brasileiros de Economia nas últimas décadas, é autor do livro Os Melhores Jornais do Mundo e lançou recentemente o primeiro volume da trilogia História dos Jornais no Brasil. É com esse currículo que ele conduz a retrospectiva dos 50 anos da Globo no Valor.

Mas a leitura da entrevista decepciona em alguns aspectos: a história controvertida da maior potência da imprensa latino americana fica diluída em meio a uma conversa amena à qual faltou rigor crítico. As perguntas servem como alavancas para os irmãos Marinho amenizarem o papel decisivo da empresa em episódios polêmicos da história nacional.

Um de seus momentos mais importantes – o processo de recuperação financeira ocorrido entre 2002 e 2006 – passa quase em branco. Questionado sobre aquele período, quando a empresa teve que vender parte da rede, livrou-se do controle das operadoras Sky e Net e foi socorrida pelo BNDES, os entrevistadores se satisfazem com a resposta de Roberto Irineu Marinho, de que a situação foi resolvida “sem recursos do BNDES ou de bancos estatais”.

O socorro do BNDES ao Grupo Globo foi amplamente noticiado na época (ver aqui) e motivou até mesmo um pedido de audiência pública no Senado Federal (ver aqui) e até hoje segue sendo uma das chaves para se entender a relação entre a empresa e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em seus dois mandatos.

Quem sabe nos próximos 50 anos essa história seja contada.

domingo, 26 de abril de 2015

Rede Globo: o dia após a primeira transmissão televisiva


A Rede Globo de Televisão, que ora completa 50 anos de existência, teve a primeira transmissão realizada em 26 de abril de 1965, por meio do seu canal televisivo original: a TV Globo, canal 4 do Rio de Janeiro.
O jornal O Globo, no dia seguinte, publicou animadas matérias a respeito. Em notícia editada na página 6, o periódico oferecia um registro parcial da recepção política sobre o acontecimento. Afirmava que a transmissão televisiva inaugural havia sido motivo para aplausos na Assembleia Legislativa da Guanabara (atual município do Rio de Janeiro, à época cidade-estado).
Destacou, em especial, os nomes de alguns parlamentares que faziam parte da base legislativa do governador Carlos Lacerda (UDN), assim como congratulações oferecidas pela bancada udenista.
Como exercício de memória, cumpre observar que a UDN foi o partido que preconizava, aberta e histericamente, durante o regime democrático de 1946, a exclusão do trabalhismo, do comunismo e das forças populares da cena pública. Um bastião do golpismo.
Ademais, matéria jornalística com destaque maior saudava uma mensagem televisiva, pronunciada no ar por Rubens Amaral, então diretor-geral da TV Globo. Tratava-se de carta redigida por Roberto Marinho, diretor-presidente da TV Globo, em que eram assinalados alguns princípios que a nova empresa de TV alegava defender. Dentre estes, vale salientar os que seguem:
“A nossa emissora será mais uma emissora de O Globo, o que significa dizer que ela herdará as tradições do jornal, seu amor à causa pública, sua permanente luta em defesa da iniciativa privada, das liberdades públicas, da causa da democracia” (O Globo, 27/04/1965, p.2).
Acerca dos princípios em questão, a mesma edição de O Globo oferecia informação que expressava a convergência da empresa com a “defesa da iniciativa privada”, assim como opiniões que reverberavam sua linha editorial, permitindo identificar os significados atribuídos pelo jornal e a TV Globo à “causa pública”, às “liberdades públicas” e à “democracia”.
No tocante à “defesa da iniciativa privada”, a página 11 do jornal anunciava programa que seria veiculado pela TV Globo. Chamado “Cidade Aberta”, cujo “astro principal” era o ator Jardel Filho, o programa era anunciado sob uma concepção que veio a marcar a produção cultural e jornalística da empresa: “Ele lhe oferecerá ação, mistério, suspense. Você nunca mais deixará de assistir as suas emocionantes aventuras”. Entretenimento e diversão eram ainda promessas da recém nascida Rede Globo.
Contudo, transmitido pela Globo, um mix de financiamento, propaganda e produção marcava o programa, que era patrocinado pela Shell. Segundo o anúncio: “Algo mais que Shell lhe dá”. O entrecruzamento da produção televisiva, ainda no berçário, com a grande empresa já era, então, bastante evidente.
A Shell, multinacional que participou das articulações em torno do golpe civil-militar de 1964, por meio do complexo Ipes/Ibad (cf. estudo clássico de René Dreifuss), estava bem entrosada com a programação do novo canal de televisão. Era o próprio jornal O Globo quem fazia questão de evidenciar.
No que diz respeito aos preceitos da “causa pública”, das “liberdades públicas” e da “democracia”, manchete de capa não titubeava: “O ministro da Guerra reafirma a disposição das Forças Armadas de punir os inimigos da pátria” (O Globo, 27/04/1965, p.1). Exaltando o pronunciamento feito pelo ministro da Guerra, general Costa e Silva, editorial estampado na primeira página afirmava que havia sido “tranquilizador”, “equilibrado”, “sereno” e “lúcido”. A que se referia o ministro?
Falou Costa e Silva da prerrogativa, “constitucional e revolucionária”, da Justiça Militar em tornar candidatos inelegíveis. Alegava que “falsos democratas” – como se referiu aos atores políticos que estavam a criticar a violação das liberdades e condenando a ditadura – eram inspirados “pelos mesmos homens que vinham traindo o país” e queriam trazer “estes homens escorraçados do poder a seus postos de comando” (O Globo, 27/04/1965, p.12).
Ademais, o referido personagem, sabidamente líder de um dos setores mais radicalizados do regime ditatorial, advertia aos “agitadores e traidores” que as “Forças Armadas unidas enfrentarão sem transigência toda e qualquer ação contrária aos supremos interesses da Nação” (O Globo, 27/04/1965, p.12). Entenda-se: "Nação", ressignificada pelo discurso do general-ministro, como nova ordem instituída pelo golpe. Enfim, cabe indagar: estas eram palavras “serenas” e “equilibradas”, O Globo?
Ainda de acordo com o ministro, insinuava-se, “principalmente no estrangeiro, que o Brasil é governado por uma ditadura militar. Uma infâmia”. O Globo corroborava explicitamente a avaliação do ministro, sublinhando que “frustrados” estavam a “alardear que a nação corria perigo iminente de uma ditadura militar”. Para o jornal, o “país estava se encaminhando para a conquista da plenitude democrática” (O Globo, 27/04/1965, p.1).
Na opinião de O Globo, consistia o Brasil uma nação “amadurecida”, que “após árduas experiências”, “sabia distinguir suas legítimas aspirações” dos que, “em benefício próprio”, queriam manipulá-las (O Globo, 27/04/1965, p.1).

Convenhamos, uma peculiar concepção de “democracia”, que expressava os vínculos orgânicos das Organizações Globo com a ditadura instalada em 1964. A "herança" que o jornal legou à TV Globo - tão ciosa, mas não dita pela mensagem de Roberto Marinho -  foi, sobretudo, o cada vez mais nítido viés antidemocrático e antipopular do seu jornalismo.
Roberto Bitencourt da Silva - doutor em História (UFF), professor da FAETERJ-Rio/FAETEC e da SME-Rio.

segunda-feira, 20 de abril de 2015

FILHO DE MIRIAM LEITÃO TERIA TENTADO SUBORNAR EX-EMPREGADA DE DILMA DURANTE CAMPANHA

MiriamMatheus

Ao final da entrevista que a presidenta Dilma concedeu a blogueiros na manhã de ontem, a jornalista Cynara Menezes perguntou o que ela tinha achado de um post do blogueiro de O Globo Ricardo Noblat, que descrevia uma briga entre Lula e a presidenta.
A presidenta que já estava começando a se levantar para sair perguntou aos seus assessores do que se tratava e enquanto Cynara começava a explicar, em tom indignado, disse: “É aquela história da Jane, né? Eles não desistem. Na eleição, tentaram comprar isso. Não vou dizer quem foi, mas foi um jornalista que tentou comprar a dona Jane durante a eleição.”
Dilma começou, então, a contar a história dela com Jane, que teria sido sua empregada. Entre outras coisas, a presidenta disse tê-la ensinado a fazer contas de multiplicar. Antes de continuar a nota, leiam este trecho publicado no blog do Noblat.
Um dia, Dilma não gostou da arrumação dos seus vestidos. E numa explosão de cólera, jogou cabides em Jane. Que, sem se intimidar, jogou cabides nela.
O episódio conhecido dentro do governo como “a guerra dos cabides” custou o emprego de Jane.
Mas ela deu sorte. Em meio à campanha eleitoral do ano passado, Jane foi procurada pela equipe de marketing de um dos candidatos a presidente com a promessa de que seria bem paga caso gravasse um depoimento a respeito da guerra dos cabides.
Dilma soube. Zelosos auxiliares dela garantiram a Jane os benefícios do programa “Minha Casa, Minha Vida”, uma soma em dinheiro e um novo emprego. Jane aceitou.
Quando um dos blogueiros disse a Dilma que na nota de Noblat teria sido dito que Jane havia ganho um imóvel do Minha Casa, Minha Vida a presidenta voltou a se indignar. Segundo ela, Jane seria beneficiária do programa, mas paga cada centavo da prestação com o salário que recebe.
Novas perguntas sobre o nome do jornalista que buscara subornar Jane foram feitas a Dilma, que, quando já estava para sair da sala, disse que não falaria nem sob tortura.
Depois da entrevista, o blogueiro contatou várias pessoas tentando descobrir quem seria o jornalista citado por Dilma. Duas fontes diferentes e que acompanharam a história no ano passado disseram se tratar de Matheus Leitão Netto, filho da colunista de economia das Organizações Globo, Miriam Leitão, e do jornalista Marcelo Netto, ex-assessor do ministro Antônio Palocci no primeiro mandato de Lula.
Duas outras fontes confirmaram a história da tentativa de suborno. Uma disse ao blog que tinham lhe dito que era um repórter da Folha. E outra afirmou que sabia do fato, mas que a ex-empregada nunca havia apresentado provas. Quando confrontada com o nome, a fonte desconversou.
Todas as conversas foram em off e ninguém autorizou a divulgação dos seus nomes.
Ainda ontem à noite, depois de voltar de Brasília, o blog contatou Matheus Leitão pelo inbox do Facebook:
Blog: Matheus, tudo bem? Eu sou editor da Revista Fórum e acho que a Maíra até te procurou. Eu queria conversar contigo porque apurei uma história que te envolve e seria legal se pudesse te entrevistar antes de publicar. Você poderia me ligar se possível ainda hoje. Abs, rr,
Matheus: Não estou entendendo essas mensagens. Do que se trata?
Blog: Podemos falar por fone ou você prefere por aqui?
Matheus: Eu falo sim. Só que estou numa reunião e estou tentando entender do que se trata. Vc pode adiantar?
Blog: Posso sim, Matheus. Na entrevista de hoje a Dilma comentou aquela história dos cabides publicada no Noblat ontem. E depois disse que isso era uma história requentada, porque no ano passado um jornalista teria tentado subornar a Jane, empregada dela, pra confirmar isso…A Dilma não abriu o nome do jornalista, mas disse que não era nem o Noblat e nem o Cláudio Humberto. Mas eu fiquei atrás dessa história o resto do dia e duas pessoas me deram o teu nome … Por isso queria falar contigo antes de publicar qualquer coisa
Uns 30 minutos depois dessa conversa, Matheus ligou. O jornalista confirmou que de fato procurou Jane no ano passado, quando ainda era repórter da Folha de S. Paulo, e que ao ser confrontada com o relato a ex-empregada de Dilma teria, num primeiro momento, desconversado, mas depois negado a história.
Matheus também disse que a história do suborno era uma leviandade e que só foi atrás de Jane porque todo mundo gostaria de apurar aquela notícia, mas tanto ao telefone como em nova mensagem por Facebook insistiu em dizer que “faço jornalismo sério e diante da negativa da entrevistada abandonei a matéria”.
Essa história de Jane faz parte do folclore político de Brasília. A história do jornalista que teria tentado subornar a ex-empregada de Dilma não. Veio à tona ontem na entrevista com os blogueiros a partir de declaração da presidenta da República.
Matheus Leitão nega o suborno, mas confirma a tentativa de apuração na época da campanha. O blog publica essa nota com todas essas ressalvas porque o assunto certamente ainda ainda vai render muito.
Da fórum

domingo, 19 de abril de 2015

Márcio Aith, minha fonte de “O Caso de Veja”

Márcio Aith, instrumento de Mário Sabino e

Não é surpresa o aparecimento de blogueiros profissionais bancados a peso de ouro pelo governo Alckmin. São contratados não apenas pelas agências de publicidade, mas por órgãos e fundações públicas. Há uma penca deles no Sebrae-SP e na Fundap.
Foi um modelo implementado inicialmente na era José Serra, por Andrea Matarazzo. Depois, mantido pelo subsecretário de Comunicações Márcio Aith.
Confrontado com a denúncia, Geraldo Alckmin terá que decidir se consolida o estilo de político que joga limpo ou se mantém a herança de Serra.
Não vale a pena perder tempo com os pistoleiros.  Mais importante é entender quem comanda.
Aith passou por diversas redações. Deixou duas marcas: o fato de que vinha de uma família digna; e ser excessivamente ambicioso.

http://www.jornalggn.com.br/noticia/marcio-aith-minha-fonte-de-%E2%80%9Co-caso-de-veja%E2%80%9D