Faz ou fazem?
Parece que foi ontem, mas já _____________ cinco anos que teve início a guerra no Iraque.
Qual a forma verbal correcta?
O verbo fazer pode ter um sentido temporal, tal como acontece na frase acima enunciada, tornando-se num verbo impessoal e, como tal, apenas é usada a 3.ª pessoa do singular, independentemente do número da expressão temporal que lhe suceda.
Assim:
- Parece que foi ontem, mas já faz cinco anos que teve início a guerra no Iraque.
- Fez ontem três anos que estive no hospital.
Faz ou fazem?
Parece que foi ontem, mas já _____________ cinco anos que teve início a guerra no Iraque.
Qual a forma verbal correcta?
O verbo fazer pode ter um sentido temporal, tal como acontece na frase acima enunciada, tornando-se num verbo impessoal e, como tal, apenas é usada a 3.ª pessoa do singular, independentemente do número da expressão temporal que lhe suceda.
Assim:
- Parece que foi ontem, mas já faz cinco anos que teve início a guerra no Iraque.
- Fez ontem três anos que estive no hospital.
Os porquês
Este blog é focado em peças publicitárias. Mas hoje, em especial, eu gostaria de não postar nenhuma peça com erro (ufa!) e falar sobre os queriiiiiidos porquês.
Em primeiro lugar, eu queria dizer que é muito difícil a forma como aprendemos na escola, em qualquer nível. A gente não aprende – em parte – errado. A forma como a gente "recebe" a informação é que acaba com a nossa dignidade.
Gente, eu pesquisei blog, sites especializados, sites de concursos. Eu não sei se procurei direito, mas não encontrei nenhum blog ou site que explicasse esses udos de uma forma mais desenvolvida. Pra não dizer que não achei, só encontrei um (sim, UM), que serviu de pontapé para esta minha vontade de entender tanto os porquês e encontrar uma forma "camarada" pra gente não esquecer mais.
Aí fiquei matutando... durante o dia, meu trabalho não me deixa nem piscar os dois olhos de uma só vez. Então, as ideias resolvem aparecer na hora em que vou dormir. E com isso eu sou "muito mais" feliz...
Cheguei à conclusão de que a melhor forma de associar o uso dos porquês é partir logo pra ignorância... hehe. Ou seja, vamos direto à fonte, que é a classe de palavras.
Eu mesma já fiz um post aqui sobre os porquês, mas retirei, pra não ficar repetitivo. E porque acho que este aqui vai ser mais completo. O tempo passa, o tempo voa... e a gente vai aprendendo mais. Acho que o post anterior está um pouco com esses vícios que eu tanto critiquei.
É tanta coisa que eu terei que dividir este assunto em dois posts.
Se vocês hoje forem procurar "explicações" sobre os porquês, vão achar basicamente isto (em grande parte de sites direcionados, pois alguns, mesmo que com esse mesmo perfil de explicação, ainda tentam ser mais abrangentes):
"Por que ('separado', sem acento): início de pergunta ou pergunta subentendida = por que (motivo). Porque (junto, sem acento): resposta.Por quê ('separado' e com acento): final de pergunta. Porquê (junto, com acento): substantivo = causa. O mais fácil de identificar, pois sempre vem depois de 'o' ou 'um'".
Não é assim (ou mais ou menos assim. Sei que tem mais algumas coisinhas, mas eu resumi bem)?
Na minha opinião (e isso não significa que eu seja dona da verdade), o primeiro erro é colocar os quatro numa mesma explicação – tipo um "aulão" sobre os porquês. Atrapalha mais do que ajuda.
O segundo erro (vamos chamar de "pegadinha") é que, se formos avaliar direito, não existe SEPARADO. "Porque" só vai ser "porque" se for junto. Se estiver separado, são duas palavras – por e que/quê.
Bom, como não tem jeito, vou ter que falar dos quatro de uma só vez. Mas espero, do fundo do meu coração, que esta explicação seja útil, pois eu ouço muita gente me perguntando as diferenças. E se os "aulões" com essas pegadinhas funcionasse, não iria mais haver tanta gente com dúvida.
Eu faço assim: em vez de pensar: "Eu uso 'porque' (junto, sem acento) em resposta/afirmação (etc.)", eu penso primeiro na classe de palavra. Depois vou dando os exemplos. Aí, parece que é pensar meio que ao contrário, mas faz mais sentido.
Vamos lá, no próximo post, vamos esmiuçar esses lindos.
Em primeiro lugar, eu queria dizer que é muito difícil a forma como aprendemos na escola, em qualquer nível. A gente não aprende – em parte – errado. A forma como a gente "recebe" a informação é que acaba com a nossa dignidade.
Gente, eu pesquisei blog, sites especializados, sites de concursos. Eu não sei se procurei direito, mas não encontrei nenhum blog ou site que explicasse esses udos de uma forma mais desenvolvida. Pra não dizer que não achei, só encontrei um (sim, UM), que serviu de pontapé para esta minha vontade de entender tanto os porquês e encontrar uma forma "camarada" pra gente não esquecer mais.
Aí fiquei matutando... durante o dia, meu trabalho não me deixa nem piscar os dois olhos de uma só vez. Então, as ideias resolvem aparecer na hora em que vou dormir. E com isso eu sou "muito mais" feliz...
Cheguei à conclusão de que a melhor forma de associar o uso dos porquês é partir logo pra ignorância... hehe. Ou seja, vamos direto à fonte, que é a classe de palavras.
Eu mesma já fiz um post aqui sobre os porquês, mas retirei, pra não ficar repetitivo. E porque acho que este aqui vai ser mais completo. O tempo passa, o tempo voa... e a gente vai aprendendo mais. Acho que o post anterior está um pouco com esses vícios que eu tanto critiquei.
É tanta coisa que eu terei que dividir este assunto em dois posts.
Se vocês hoje forem procurar "explicações" sobre os porquês, vão achar basicamente isto (em grande parte de sites direcionados, pois alguns, mesmo que com esse mesmo perfil de explicação, ainda tentam ser mais abrangentes):
"Por que ('separado', sem acento): início de pergunta ou pergunta subentendida = por que (motivo). Porque (junto, sem acento): resposta.Por quê ('separado' e com acento): final de pergunta. Porquê (junto, com acento): substantivo = causa. O mais fácil de identificar, pois sempre vem depois de 'o' ou 'um'".
Não é assim (ou mais ou menos assim. Sei que tem mais algumas coisinhas, mas eu resumi bem)?
Na minha opinião (e isso não significa que eu seja dona da verdade), o primeiro erro é colocar os quatro numa mesma explicação – tipo um "aulão" sobre os porquês. Atrapalha mais do que ajuda.
O segundo erro (vamos chamar de "pegadinha") é que, se formos avaliar direito, não existe SEPARADO. "Porque" só vai ser "porque" se for junto. Se estiver separado, são duas palavras – por e que/quê.
Bom, como não tem jeito, vou ter que falar dos quatro de uma só vez. Mas espero, do fundo do meu coração, que esta explicação seja útil, pois eu ouço muita gente me perguntando as diferenças. E se os "aulões" com essas pegadinhas funcionasse, não iria mais haver tanta gente com dúvida.
Eu faço assim: em vez de pensar: "Eu uso 'porque' (junto, sem acento) em resposta/afirmação (etc.)", eu penso primeiro na classe de palavra. Depois vou dando os exemplos. Aí, parece que é pensar meio que ao contrário, mas faz mais sentido.
Vamos lá, no próximo post, vamos esmiuçar esses lindos.
Isto ou isso?
Nos meus processos de revisão, sempre fiz muitas substituições de "isso" por "isto" e vice-versa. Como sempre havia alguém que não se conformava, a pergunta logo surgia: "Mas por que aqui você trocou?", ou então: "Não entendo quando usar um ou outro". A gente aprende de uma forma bem prática: perto ou longe.
A diferença entre isto e isso está na relação de proximidade do emissor. Se algo está perto de mim, e eu estou falando com outra pessoa, uso "isto":"Isto aqui é meu". Se o objeto está perto da pessoa com quem falo, eu uso "isso": "Isso aí também é meu".
Seguindo essa lógica, fica fácil. Mas, e quando se trata de um texto como: "Isso/Isto é o que acontece comigo: mania de revisar". Como saber se é "isso" ou "isto"? Aí, a gente tem que entrar numa história muito conhecida dos redatores: coesão e coerência. Sem muita enrolação, vamos direto para referência, que é uma categoria de procedimento da qual depende a coesão textual. De uma forma mais "pop", vamos combinar mais ou menos assim: é a função pela qual um termo se relaciona com outro dentro de um contexto.
Temos dois tipos de referência: endofórica e exofórica. A primeira se dá com elementos do próprio texto; a segunda é extratextual. No nosso caso, vamos falar da endofórica, que, por sua vez, pode ser anafórica oucatafórica. A anafórica se dá quando o item de referência retoma um signo já expresso anteriormente (como se quiséssemos "relembrar" o que dissemos). Exemplo: A Tatiana é meio maluca. Ela tem mania de revisar. "Ela", aqui, faz menção a "Tatiana", termo já apresentado na oração anterior. Já na catafórica, o item de referência vai antecipar uma informação ainda não expressa no texto (tipo um teaser, anunciando: "prestenção no que vem por aí"). Exemplo: Só quero isto: que não haja mais erros gramaticais em peças publicitárias. É aí que se ilustra a relação de proximidade de que falamos lá em cima. Só que aqui, não temos uma distância "física".
Bem, na peça deste post, temos logo de cara um exemplo de cada referência, curiosamente invertidos, se quisermos ser rígidos quanto à língua (o que é humanamente impossível, em se tratando de um elemento vivo).
Vamos à primeira oração: "Imagine se isso acontecesse com as suas axilas". O signo ainda não foi expresso no texto. Ou seja, temos uma referência catafórica. E qual seria o "signo" aqui? A pétala de rosa murcha. Logo, "isso" se refere a "suas axilas sem hidratação". Se temos uma catáfora, deveríamos usar: "isto" (via de regra, gente).
Já ao final, no bloco de texto ao lado do desodorante, temos a última frase: "O seu antitranspirante consegue fazer isto?". Uai, se estamos retomando tudo o que já foi dito (tudo que Dove faz: axilas maravilhosas, pele hidratada, macia e com 24 horas de proteção), temos uma anáfora. Mais precisamente uma substituição, na qual o componente é retomado por uma pro-forma verbal (o verbo fazer, sempre acompanhado de uma forma pronominal. No caso, "isto"), com uma função pro-oração. Palma, palma, não priemos cânico. Traduzindo, "fazer isto" substitui toda a frase (ou ideia): "manter suas axilas 17% mais hidratadas, blá, blá, blá e tchau, odor", para que o texto não fique repetitivo. Mecanismo de coesão. Mas então, não deveria ser "isso", em vez de "isto"?
O primeiro caso é bem claro. Já no segundo, há divergências. Porque uns afirmam que a informação "acabou" de ser dada, então, a proximidade se comprova, permitindo usar "isto". Já outros dizem que, se estamos fazendo menção a um termo que já foi apresentado, a regra é usar "isso" (levando em conta passagens de um texto que precedem um determinado passo do discurso escrito). No nosso português, isso não é claro. A gente vê, na grande maioria, "isso" no lugar de "isto". Até porque é mais econômico falar (em fonética, a lei do menor esfoço).
Anáforas e catáforas à parte (chega de desgraça), tem uma coisa que eu não considero grave, mas tem que acertar. Na segunda imagem da pétala (da axila que não usa Dove), após as reticências, eles bem que poderiam ter colocado um espaço: "... do que os outros antitranspirantes". Concordam?
Agora chega, né?
Depois dessa, só uma cervejinha – a que desce "redondo". Mas sem falar de derivação imprópria do "redondo". Eu prefiro um franguinho à (moda) passarinho pra acompanhar. Gramática causa indigestão.
A diferença entre isto e isso está na relação de proximidade do emissor. Se algo está perto de mim, e eu estou falando com outra pessoa, uso "isto":"Isto aqui é meu". Se o objeto está perto da pessoa com quem falo, eu uso "isso": "Isso aí também é meu".
Seguindo essa lógica, fica fácil. Mas, e quando se trata de um texto como: "Isso/Isto é o que acontece comigo: mania de revisar". Como saber se é "isso" ou "isto"? Aí, a gente tem que entrar numa história muito conhecida dos redatores: coesão e coerência. Sem muita enrolação, vamos direto para referência, que é uma categoria de procedimento da qual depende a coesão textual. De uma forma mais "pop", vamos combinar mais ou menos assim: é a função pela qual um termo se relaciona com outro dentro de um contexto.
Temos dois tipos de referência: endofórica e exofórica. A primeira se dá com elementos do próprio texto; a segunda é extratextual. No nosso caso, vamos falar da endofórica, que, por sua vez, pode ser anafórica oucatafórica. A anafórica se dá quando o item de referência retoma um signo já expresso anteriormente (como se quiséssemos "relembrar" o que dissemos). Exemplo: A Tatiana é meio maluca. Ela tem mania de revisar. "Ela", aqui, faz menção a "Tatiana", termo já apresentado na oração anterior. Já na catafórica, o item de referência vai antecipar uma informação ainda não expressa no texto (tipo um teaser, anunciando: "prestenção no que vem por aí"). Exemplo: Só quero isto: que não haja mais erros gramaticais em peças publicitárias. É aí que se ilustra a relação de proximidade de que falamos lá em cima. Só que aqui, não temos uma distância "física".
Bem, na peça deste post, temos logo de cara um exemplo de cada referência, curiosamente invertidos, se quisermos ser rígidos quanto à língua (o que é humanamente impossível, em se tratando de um elemento vivo).
Vamos à primeira oração: "Imagine se isso acontecesse com as suas axilas". O signo ainda não foi expresso no texto. Ou seja, temos uma referência catafórica. E qual seria o "signo" aqui? A pétala de rosa murcha. Logo, "isso" se refere a "suas axilas sem hidratação". Se temos uma catáfora, deveríamos usar: "isto" (via de regra, gente).
Já ao final, no bloco de texto ao lado do desodorante, temos a última frase: "O seu antitranspirante consegue fazer isto?". Uai, se estamos retomando tudo o que já foi dito (tudo que Dove faz: axilas maravilhosas, pele hidratada, macia e com 24 horas de proteção), temos uma anáfora. Mais precisamente uma substituição, na qual o componente é retomado por uma pro-forma verbal (o verbo fazer, sempre acompanhado de uma forma pronominal. No caso, "isto"), com uma função pro-oração. Palma, palma, não priemos cânico. Traduzindo, "fazer isto" substitui toda a frase (ou ideia): "manter suas axilas 17% mais hidratadas, blá, blá, blá e tchau, odor", para que o texto não fique repetitivo. Mecanismo de coesão. Mas então, não deveria ser "isso", em vez de "isto"?
O primeiro caso é bem claro. Já no segundo, há divergências. Porque uns afirmam que a informação "acabou" de ser dada, então, a proximidade se comprova, permitindo usar "isto". Já outros dizem que, se estamos fazendo menção a um termo que já foi apresentado, a regra é usar "isso" (levando em conta passagens de um texto que precedem um determinado passo do discurso escrito). No nosso português, isso não é claro. A gente vê, na grande maioria, "isso" no lugar de "isto". Até porque é mais econômico falar (em fonética, a lei do menor esfoço).
Anáforas e catáforas à parte (chega de desgraça), tem uma coisa que eu não considero grave, mas tem que acertar. Na segunda imagem da pétala (da axila que não usa Dove), após as reticências, eles bem que poderiam ter colocado um espaço: "... do que os outros antitranspirantes". Concordam?
Agora chega, né?
Depois dessa, só uma cervejinha – a que desce "redondo". Mas sem falar de derivação imprópria do "redondo". Eu prefiro um franguinho à (moda) passarinho pra acompanhar. Gramática causa indigestão.
13/05/2005
Isto, isso e aquilo: uma conversa sobre pronomes demonstrativos
THAÍS NICOLETI DE CAMARGOColunista da Folha Online
O uso dos pronomes demonstrativos costuma ser objeto de dúvida entre aqueles que escrevem. Afinal, quando se devem empregar as formas "este" ou "esse"? Existe diferença entre uma e outra?
Ora, as formas "este", "esse" e "aquele", bem como suas flexões, indicam a posição dos seres no espaço e relacionam-se às pessoas do discurso. "Este" indica proximidade de quem fala (primeira pessoa), "esse" indica proximidade do interlocutor (segunda pessoa) e "aquele" assinala distanciamento em relação às duas primeiras pessoas.
Dizemos, por exemplo, "Este livro que eu tenho em mãos é excelente", mas "Eu já li esse livro que você está lendo". Caso não esteja perto de nenhuma das duas pessoas, o livro passa a ser determinado pelo pronome "aquele". Assim: "Você já leu aquele livro?".
Esses pronomes demonstrativos, na fala, são, por vezes, acompanhados de gestos, o que é mais freqüente quando se empregam as formas neutras "isto", "isso" e "aquilo" em sua função dêitica, ou seja, como palavras sem referencial fixo. Quando alguém pergunta, por exemplo, "Que é isto?", "Que é isso?" ou "Que é aquilo?", a escolha do demonstrativo depende da posição daquilo a que se refere o pronome. Em outras palavras, os pronomes "isto", "isso" e "aquilo" não significam nada em si mesmos; seu significado é móvel. No título do filme "Que é isso, companheiro?", o pronome "isso" alude a uma atitude do interlocutor (no caso, o "companheiro"). Quando cantava "Que país é este?", Renato Russo naturalmente se referia ao seu próprio país (algo como "que país é este em que eu vivo?").
A idéia de lugar expressa por tais pronomes pode ser reforçada por advérbios: "isto aqui", "isso aí", "aquilo lá". Tais advérbios são igualmente dêiticos, já que sua significação depende da situação de emprego. Observe que eles também se relacionam às pessoas do discurso. "Aqui" é o lugar onde se encontra a pessoa que fala (primeira pessoa do discurso); "aí" é o lugar do interlocutor (segunda pessoa do discurso) e "lá" é o lugar da terceira pessoa (ele).
As dúvidas mais freqüentes, no entanto, dizem respeito ao uso desses pronomes em sua função anafórica, ou seja, nas situações em que operam remissões intradiscursivas. Trata-se então de empregá-los para fazer alusão a termos que já foram ou que ainda serão mencionados. Usam-se as formas com "ss" para remeter àquilo que já foi dito e as formas com "st" para apontar para o que será dito posteriormente. Assim: "Ouça isto: nunca me decepcione!" e "Que nunca a decepcionasse. Foi isso o que ela lhe pediu".
Essa é a distinção básica entre as duas formas, mas há outras situações de emprego que convém assinalar. Por exemplo, quando nos referimos ao próprio texto que estamos escrevendo, usamos "este". Vale lembrar os velhos modelos de carta, hoje tão inusuais, mas, ainda assim, presentes na nossa memória: "Espero que estas linhas o encontrem gozando de boa saúde...". "Estas linhas" são aquelas que ora escrevo.
As formas "este" e "aquele" (e, naturalmente, as suas flexões) são as que se empregam no aposto distributivo em períodos do tipo: "O senador e o deputado vieram. Este, de avião; aquele, de helicóptero". Ora, quem veio de avião foi o deputado e quem veio de helicóptero foi o senador (o pronome "este" retoma o termo imediatamente anterior, em oposição ao pronome "aquele", que retoma o elemento mais distante). O ideal nesse tipo de período é sempre usar o pronome "este" antes do pronome "aquele", pois "este" retoma o termo anterior por causa da proximidade que tem dele. Convém evitar, assim, uma construção como: "O senador e o deputado vieram. Aquele, de helicóptero; este, de avião".
É comum que o pronome "este" que recupera o termo imediatamente anterior venha seguido da palavra último: "Em campo, o União São João se juntou ao grupo de rebaixados, que tinha o Inter de Limeira, o Sorocaba e o União Barbarense. Mas este último pode se salvar caso o tribunal da federação paulista tire 24 pontos do América".
Mesmo quando não existe a oposição entre dois termos mencionados anteriormente, a forma "este" (como pronome substantivo) recupera o último elemento. Veja o exemplo, extraído de uma notícia de jornal: "'Se a Europa abrir mão de suas ambições políticas e sociais, o modelo ultraliberal terá o caminho livre', declarou Chirac ao lado de Schröder. Este acrescentou que, 'se a França rejeitar a Constituição, 50 anos de construção européia, que garantiram a paz e a harmonia no continente, serão seriamente prejudicados'".
Podem ainda os demonstrativos indicar proximidade ou distância temporal. Nessa chave de oposição, entra o par "este"/"aquele". Assim, "esta noite" opõe-se "àquela noite". "Aquela noite" está situada num passado distante (ainda que subjetivamente: "Você ainda se lembra daquela noite?"); "esta noite" pode ser a de ontem ou a de hoje, dependendo do contexto: "Esta noite foi muito fria" (passado recente) ou "Esta noite será muito fria" (futuro próximo). O dia, o mês ou o ano em que nos encontramos, por exemplo, são antecedidos de "este" ("este ano", "esta semana" etc.).
Há ainda o uso afetivo dos pronomes demonstrativos, que aparece em expressões como "Tive um dia daqueles!" ou em locuções já cristalizadas no idioma ("ora essa", "essa, não!" etc.).
A seguinte declaração de um artista popular também ilustra o uso afetivo dos demonstrativos: "É estranha essa coisa de inspiração. Vai nascendo sabe lá de onde e, de repente, está bem na nossa frente". O uso do pronome "essa" (e não "esta") parece reforçar a idéia de que a inspiração é algo que vem de fora ("sabe lá de onde"), é algo estranho que toma conta do artista.
O emprego afetivo das palavras sempre rende uma boa discussão. Houve, há algum tempo, um presidente da República que declarou publicamente ter nascido com "aquilo" roxo, naturalmente uma marca distintiva de seu caráter ou de sua personalidade, um indício de coragem, valentia, ousadia... O interessante é que ninguém precisou perguntar o que significava o dêitico "aquilo" no contexto. Na verdade, o demonstrativo foi usado como um eufemismo, mas esse é um assunto para outra coluna.
Thaís Nicoleti de Camargo, consultora de língua portuguesa, é autora de "Redação Linha a Linha" (Publifolha), "Uso da Vírgula"(Manole) e "Manual Graciliano Ramos de Uso do Português" (Secom-AL) e colunista do caderno "Fovest" da Folha. E-mail: mailto:thaisncamargo@uol.com.br |
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